Atrasos de fala atingem até 15% das crianças em idade pré-escolar no Brasil. Especialistas alertam que esperar demais pode comprometer a alfabetização, a socialização e até a autoestima
“Cada criança tem seu tempo”. Essa frase, repetida entre pais e familiares, muitas vezes serve de consolo diante de um atraso na fala. Mas até que ponto essa ideia é verdadeira? De acordo com a Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa), 15% das crianças em idade pré-escolar apresentam algum tipo de distúrbio ou atraso no desenvolvimento da fala. O dado ganha relevância diante de outro número: segundo o IBGE, o Brasil tem hoje mais de 18 milhões de crianças de 0 a 6 anos — ou seja, pelo menos 2,7 milhões podem enfrentar dificuldades de linguagem.
A fonoaudióloga Adriana Fiore, que atua há mais de 20 anos no atendimento infantil, explica que o atraso pode ser confundido com variações individuais, mas existem marcos claros para observar. “Se até 12 meses a criança não balbucia; se até 2 anos não consegue formar palavras simples; ou se até 3 anos ainda não constrói frases curtas, isso já é um sinal de alerta. O ideal é procurar avaliação fonoaudiológica para descartar ou confirmar a necessidade de intervenção”, orienta.
Um levantamento do Center for Disease Control (CDC) mostra que crianças acompanhadas precocemente por fonoaudiólogos têm até 70% mais chances de recuperar o desenvolvimento esperado. Isso porque o cérebro na primeira infância vive a chamada “janela de oportunidade”, fase em que os estímulos de linguagem são mais facilmente absorvidos. “A neuroplasticidade é enorme nos primeiros anos de vida. Se esse tempo é desperdiçado, os prejuízos podem se estender para a alfabetização, para a vida escolar e até para a socialização da criança”, explica Adriana.
Entre as consequências mais comuns de um atraso não tratado estão: dificuldade em aprender a ler e escrever, menor rendimento escolar, frustração ao se comunicar, insegurança em ambientes coletivos e impacto direto na autoestima. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) aponta que crianças com atrasos de fala não tratados têm até três vezes mais risco de desenvolver problemas emocionais e de comportamento.
Além da busca por avaliação profissional, a Adriana reforça o papel da família no estímulo diário. “A fala é uma habilidade inata, surgindo espontaneamente no desenvolvimento infantil. Já a linguagem é construída a partir das vivências da criança, e nesse processo os pais têm um papel fundamental. Conversar, cantar, contar histórias e promover brincadeiras interativas são formas simples e poderosas de enriquecer a linguagem e favorecer um desenvolvimento saudável “, destaca.
Ela ainda alerta que a crença de que “ a criança não fala porque tem preguiça” pode custar caro. “Esperar demais pode significar perder tempo precioso. Se há dúvida, é sempre melhor investigar cedo. O acompanhamento não é apenas para tratar dificuldades, mas também para prevenir que elas avancem”, conclui.