Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado mudanças significativas nos padrões de consumo, especialmente entre as classes B, C e D. Embora haja sinais de recuperação da renda média e do emprego, grande parte da população continua enfrentando altos níveis de endividamento, o que compromete a capacidade de consumir bens e serviços de forma consistente.
Paralelamente, observa-se um crescimento acelerado do consumo em apostas online, incluindo jogos esportivos e plataformas de “bets”, que vem redirecionando parte da renda familiar, muitas vezes em detrimento do consumo tradicional. Esse fenômeno cria um paradoxo: mesmo com aparentes sinais de maior poder de compra, o consumo efetivo de produtos e serviços não se recupera como se poderia esperar, gerando impactos negativos especialmente para o setor varejista.
Dados recentes indicam que as apostas online podem consumir até 13% do orçamento destinado a alimentação e bebidas de famílias brasileiras, predominantemente nas classes C, D e E. Estima-se que cerca de 39,5 milhões de brasileiros tenham realizado ao menos uma aposta online no último ano, sendo que 41% admitiram ter renunciado a algum consumo em função das apostas, enquanto 19% declararam apostar valores que comprometeram a renda familiar.
Estudos de consultorias como a PwC Strategy apontam que, nos últimos cinco anos, as famílias de menor renda passaram a destinar uma parcela crescente de seu orçamento para essas atividades, de 0,27% em 2018 para 1,38% em 2023. Embora esses percentuais pareçam modestos em termos absolutos, sua concentração em classes de renda mais baixa amplifica o efeito sobre o consumo de bens essenciais e discricionários.
O endividamento elevado, aliado ao redirecionamento da renda para apostas, reduz de maneira significativa a margem para gastos discricionários e cria um ciclo em que famílias comprometem recursos essenciais em atividades de alto risco financeiro. Essa dinâmica impacta diretamente o varejo, especialmente nas categorias de consumo discricionário, como vestuário, calçados, artigos pessoais e lazer, onde a redução de gastos é mais imediata e perceptível.
Estudos apontam que, em 2024, o desvio de renda para apostas resultou em perdas estimadas de aproximadamente R$ 103 bilhões para o setor varejista. Dados do IBGE indicam que o varejo brasileiro apresentou retrações consecutivas em 2025, com quedas de 0,1% em janeiro e 0,3% em setembro, refletindo a menor disposição ou capacidade de compra das famílias. Esse impacto é particularmente relevante para as classes B, C e D, que representam cerca de 76% da população brasileira e respondem por quase metade do consumo total no país. São essas classes que concentram o maior crescimento no gasto com apostas, e devido à sua limitação orçamentária, qualquer desvio de renda compromete fortemente sua capacidade de consumo, tornando a retração um efeito estrutural, e não apenas cíclico.
Esse cenário cria um ciclo de vulnerabilidade no qual a menor demanda por bens e serviços contribui para desaceleração econômica, redução da geração de emprego e renda, retroalimentando a retração do consumo.
Diante desse contexto, o aumento do consumo em apostas online entre as classes B, C e D, aliado ao elevado endividamento, configura um novo paradigma de consumo no Brasil. Parte significativa da renda familiar deixa de ser direcionada para bens e serviços, impactando negativamente o varejo e a economia como um todo.
Para enfrentar o impacto do desvio de renda para apostas e o consequente encolhimento do consumo, o varejo precisa adotar estratégias que tornem a experiência de compra mais atrativa e acessível. Isso inclui oferecer condições especiais de pagamento, promoções segmentadas e pacotes de produtos que combinem valor percebido e custo-benefício, permitindo que consumidores com orçamento mais restrito consigam realizar compras sem comprometer demais sua renda.
Além disso, é fundamental investir em canais digitais e físicos integrados, facilitando a compra por meio de aplicativos, e-commerce e soluções de retirada rápida, garantindo conveniência e rapidez, fatores decisivos para o consumidor moderno.
Paralelamente, os vendedores devem reforçar o relacionamento com o cliente, adotando uma abordagem mais consultiva e personalizada. Conhecer o perfil, preferências e limitações financeiras de cada consumidor permite oferecer soluções que atendam às suas necessidades reais, criando confiança e fidelidade.
Programas de fidelidade, atendimento humanizado e acompanhamento pós-venda são ferramentas que aumentam a percepção de valor e incentivam o consumo repetido. Ao combinar estratégias de relacionamento com condições comerciais atraentes, o varejo consegue reconquistar parte do público afetado pelo redirecionamento da renda para apostas, fortalecendo a base de clientes e impulsionando as vendas de forma sustentável.
A compreensão desse novo padrão de comportamento do consumidor é essencial para garantir a sustentabilidade do varejo brasileiro e evitar que o desvio de renda para apostas comprometa de forma estrutural o crescimento econômico e a geração de valor para a sociedade.
Gustavo Malavota – Sócio fundador do Grupo Mola, fundador do Instituto Vendas. Mestre em Gestao e Desenvolvimento, graduado em Marketing pela ESPM . Nos últimos 15 anos , capacitou mais de 150 mil vendedores e líderes no Brasil e no mundo.